8.24.2011

o palco do tempo

Estranho-me com a volatilidade da tinta desta caneta, da facilidade com que escorre e traça as linhas dos nossos dias e noites. Reencontro nas palavras a magia que me escapa, que sinto não me pertencer. Troco os indolores sais de prata pelo odor térreo das borras do café, que não ousam mais que prever o passado, que descansam preguiçosamente no tempo.

Arrisco a espreitar só mais uma vez por essa janela, para deixar entrar a luz, a magia da espera, do pensar, até ao derradeiro 'clack'.




"O Fernando Pessoa sente as coisas mas não se mexe, nem mesmo por dentro."
- Alberto Caeiro

8.05.2011

o teu mundo no meu


Hoje, como em tantos dias iguais a hoje, no curto trajecto que separa a estação do eléctrico ao local de trabalho, cruzei-me com um ciclista. Tão invulgar como a imagem que aparenta, é a inevitabilidade do nosso encontro que parece ir além dos involuntários e aleatórios atrasos matinais. Mas ao virar da curva, eis que sobe com destreza esta ladeira inclinada, que percorro em sentido inverso, mas que a natureza do meu destino a torna tão ou mais penosa como a do meu opositor.
Esta imagem, de barbas grizalhas e óculos espelhados, tornou-se familiar quase ao ponto de sorrirmos um para o outro, quando nos cruzamos. Porque sei que ao virar da esquina, ali estará subindo o ciclista. Por ser tão natural, e porque para mim apenas existe apenas neste lugar e espaço de tempo, imagino-o como uma planta, uma planta que ali está, que quase sorri.
Hoje, num dia igual aos outros, mas à sua maneira diferente pensei. Antes de mim, já este ciclista subia diariamente esta ladeira inclinada. Talvez para ele, eu seja também uma planta que apenas existe ali e que quase sorri. Mas eu, ao contrário dele, cheguei com a primavera e o verão me há-de ver partir. Serei eu uma erva daninha?